Foi
visceral, emocionante e forte no sentido mais ampla dessa palavra. Glória Perez prometeu e dessa vez
cumpriu, quebrou o estigma de rejeições de tramas no horário nobre Global e fez de A Força do Querer um fenômeno da teledramaturgia, o que não acontecia há cinco anos, desde Avenida Brasil.
Com uma trama reta, dosada com muita
realidade e coerência, a autora traçou um leque de entrechos pertinentes com
personagens cativantes que tomou o
público de assalto com técnica e talento
juntos em prol de um só desejo – fazer “A Força do Querer dar certo.
Sem dúvidas o grande trunfo da novela
foi sua coerência, presente do princípio ao fim – A Bibi (Juliana Paes) queria “amar grande”, e amou foi do 8 a
800, se arrependeu e com toda a força que a personagem sempre apresentou
começou do zero e teve o seu final feliz. A Ritinha (Isis Valverde), nossa
eterna Sereia, encantou o público e seus pretendentes, e também teve seu final
condizente com sua trama. Nunca se apegou a ninguém, era um ser da natureza, um
fenômeno. E a Jeiza, da Paolla Oliveira
que exigiu da atriz um trabalho duro, mostrou a polícia que nós acreditamos que
existe, que veste a camisa e luta pela honestidade. Foram três
protagonistas viscerais , os pilares da
trama que de tão bem escritas e interpretadas em nenhum momento uma suplantou a
outra, mostrando mais uma vez a força do texto da Glória e a escalação perita
desse elenco.
O
merchandising social da transição de gênero foi um dos mais importantes abordados pela autora, que já falou sobre
tráfico de pessoas, barrigas de aluguel, crianças desaparecidas entre outros.
Com uma abordagem delicada e a escolha de uma atriz cara nova, mas nem por isso
sem competência para viver a Ivana que viraria o Ivan, Glória Perez jogou o assunto
na sala do Brasil inteiro, e pessoas de
vários níveis sociais e intelectuais discutiram essa transição, tentaram
entender e se ainda não entenderam no mínimo iram pensar duas vezes antes de
ignorar ou agredir simplesmente.
Logo que
A Força
do Querer começou a mostrar a
história da Bibi Perigosa se transformando em rainha do pó no morro da novela,
alguns veículos da imprensa acusaram a autora de apologia ao crime, ou apologia
ao jogo no caso da história da Silvana
(Lília Cabral), pura especulação. A Novela sempre mostrou o glamour da tráfico
representado pelo Rubinho (Emílio Dantas) mas sobre o foco de que era passageiro e não
caminhava para um final feliz, com vimos no
último capítulo. Já a Bibi (Juliana Paes) desceu desse glamour e sentiu
na pele suas escolhas erradas, pagando o preço de cada uma, para finalmente ter
sua tão bem construída redenção.
A Força do Querer tocou
em vários tabus que estavam ali ao nosso redor, fazendo parte da nossa
realidade e que com a trama enxergamos e certamente tentaremos tomar outras
atitudes em relação – a transição de gênero, o preconceito, o vício nos jogos, o domínio do crime nas
favelas, enfim, assuntos que todas as noites eram retratadas
em notícias reais no Jornal Nacional, com a invasão do crime
de volta ao Morro do Alemão, que culminou exatamente com a invasão do Morro da trama , misturando com maestria
ficção e realidade.
O Elenco ímpar de A Força do Querer foi um show a parte – todos seguros e entregues a
seus personagens deixaram a trama ainda mais crível e interessante para o
telespectador.
Quem não chorou, brigou e amou com a
Bibi Perigosa, numa Juliana Paes em
estado de graças de tão bem na personagem?
Quem tentou entender e perdoar a Sereia? Afinal a empatia da Isis
Valverde foi crucial para o sucesso da Ritinha, que como a maioria das mocinhas
da Glória Perez, era dúbia. Mentiu,
enganou, fez sofrer, sofreu, mas sempre com a intenção de ser feliz.
Juliana
Paes foi alçada a outro patamar com a força da Bibi, uma personagem tão
cheia de nuances e reviravoltas, que exigiu da Juliana um trabalho visceral e
delicado- digno da grande profissional que ela é.
Paolla
Oliveira saiu de vez do estigma de atriz bonita e sexy com a Jeiza. Muitas
vezes livre da vaidade, como na luta final da personagem, mostrou toda a força do seu talento e a
perícia na construção da inesquecível policial e lutadora de MMA.
Outros destaques: Maria Fernanda Cândido com a Joyce, que foi tão criticada
inicialmente, e mostrou que a personagem
precisava daquele engessamento fútil inicial para dar credibilidade na
fase do descobrimento da transição da Ivana.
LíliaCabral, como a Silvana; Débora Falabella,
a vilã Irene; A dobradinha Zezé Polessa e Tonico Pereira, com a
Ednalva e Seu Abel; Emílio Dantas, o Rubinho e Elizângela, que com sensibilidade, fez da Aurora a mãe do ano e sua melhor
personagem de todos os tempos.
A Força do Querer revelou
o grande talento de Carol Duarte,
que tem formação no teatro, e estreou em horário nobre vivendo a complexa
personagem Ivana / Ivan. Era uma estrada de mão dupla. Ou seja, se não fosse
seu talento mostrado desde as primeiras cenas, a Ivana e essa transição poderia
ter soado fake e caricata. Sem dúvidas foi a melhor estreia de uma atriz em
anos. Essa menina promete, viu!
Alguns coadjuvantes também fizeram de A Força do Querer seu palco e deram
a seus personagens ares de protagonistas e se tornaram queridinhos do público.
O Caso do estreante Silvero Pereira,
que quebrou tabus com o transformista Elis Miranda e o motorista Nonato; Mariana Xavier, que como ela mesmo
declarou em entrevistas, não queria fazer a gordinha que sofria bulling e
ficava triste. Mostrou que as gordinhas tem outro lado, além de lutar para
mostrar que o sobrepeso é algo que pode ser bonito e respeitado. No final foi
premiada com um ensaio sensual de lingerie. Ah , e não posso esquecer a Dita,
da Karla Karenina, sempre impecável
vivendo a empregada nordestina que se envolve com o drama dos patrões. Mas o
coadjuvante que roubou a cena na trama foi o Jonathan
Azevedo, como o bandido Sabiá, que
entrou na trama apenas para dois capítulos, e acabou se tornando um dos grandes
destaques da novela.
A Força do Querer nos apresentou
e imortalizou expressões paraense que ganharam o Brasil: “Égua!” , “Lasquei-me”, “Pomba
Lesa”, “Despombalecido”, “Pavuagem” e “O Pau de Acha”.
Tenho que fazer um parágrafo especial
para Marco Pigossi e Fiuk, quem
tanto critiquei toda a trama pela apatia
do Ruy e as bobalhices do Zeca. Não que eu tenha mudado de ideia, mas tenho que
destacar a cena final dos dois no reencontro do Rio no Parazinho selando a amizade entre eles. Uma
das poucas cenas em que os dois se saíram bem
em toda trama.
O Mais interessante em A Força do Querer é que a
proximidade da trama com a realidade foi muitas vezes citadas como o
grande trunfo da Glória Perez, o que há dois anos foi apontado com um
dos problemas de A Regra do Jogo, do João Emanuel Carneiro, considerada um
das novelas rejeitas do horário. Porém no caso de A Força do Querer, essa realidade
foi mesclada com um folhetim dos bons e personagens carismáticos que
transformavam essa realidade dura em cotidiano. Talvez esteja ai o grande
diferencial desse novo fenômeno da teledramaturgia chamado “A Força do Querer”.
Fonte:
Texto:
Evaldiano de Sousa
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