Dias
Gomes, baiano de Salvador, foi um romancista, dramaturgo, autor de
telenovelas e membro da Academia Brasileira de Letras, e que nos deixou
precocemente em maio de 1999, deixando um legado de trabalhos que só
enriqueceram a tv, o teatro, o cinema e a literatura brasileira.
Antes de enveredar pelas telenovelas, o
gênero que o consagrou junto ao grande público, Dias Gomes já era um nome importante no teatro, inclusive com
projeção internacional graças a montagem de O Pagador de Promessas, que anos mais tarde viraria filme e minissérie.
Comunista declarado e muito atuante, Dias Gomes tinha seus trabalhos visados
24 horas por dia pela ditadura militar, e curiosamente foi exatamente essa
perseguição que o levou para a tv. Sem poder trabalhar no teatro como queria, com
peças de conteúdo político e contestador, influenciado por Janete Clair, sua esposa, e uma das novelista de maior sucesso da
época, migrou para a Tv estreando com a trama A Ponte dos Suspiros em 1969, sob o pseudônimo de Stela Calderón.
Tomou gosto pelas telenovelas, e em 1970 escreveu Verão Vermelho, agora já como Dias Gomes, e revolucionou a teledramaturgia nacional com a trama
realista que tinha entre outros temas conflito de gerações, preconceito social,
infelicidade conjugal, reforma agrária e questões raciais.
Continuou apresentando sucesso durante
toda a década de 70, como Assim na Terra como no Céu (1970), que marcou a estreia de Francisco Cuoco na Globo. Em Bandeira 2 (1971), o autor mostrou a dura
realidade dos moradores da Zona Norte do Rio de Janeiro, através da figura do
Bicheiro Tucão, vivido magistralmente pelo Paulo Gracindo, que ganhou o papel despois de uma recusa de Sérgio Cardoso em viver um bicheiro na Tv.
Em 1973,
o autor escreveu o seu primeiro grande fenômeno de audiência na tv
brasileira, a novela O Bem Amado, primeira novela do horário
apresentada em cores e que nos mostrou
um leque de tipos e personagens que seduziram o Brasil de tal forma, que não
teve ninguém que tenha sido tocado pelos
moradores de Sucupira. A novela era a transposição para Tv da peça Odorico,
O Bem Amado e os mistérios da vida e da Morte,
de autoria do Dias Gomes. O Bem Amado foi uma das primeiras narrativas a
buscar seus entrechos em coisas genuinamente brasileiras. Mas uma vez Paulo Gracindo brilhava na pele do um
tipo criado por Dias Gomes, o
prefeito Odorico interpretado por ele é considerado um dos ícones da
teledramaturgia nacional.
O visionário Dias Gomes foi o primeiro autor de novela a tratar sobre ecologia
em suas tramas, e em O Espigão (1974)
tratou da qualidade de vida ao denunciar, com humor, a expansão imobiliária
desfreada. Expressões como Espigão (que
virou sinônimo de arranha-céus, prédios muito altos), ecologia e ecossistema
entraram para o vocabulário brasileiro graças a trama. Entre os temas paralelos
o autor ainda falou sobre inseminação artificial e bebê de proveta.
Em 1975, Dias Gomes recebeu o seu maior
golpe vindo da censura imposta pela Ditadura Militar. Em comemoração aos 10
anos da Globo e cinco de liderança
absoluta, o autor apresentou a trama de Roque Santeiro e a incrível Viúva que foi
sem nunca Ter Sido. A novela prometia inovar o
gênero no horário das 20 horas, assim
como Dias havia feito às 22 horas. Porém, já com 10 capítulos editados e 30
gravados, na noite da sua estreia em 27/08/1975, a novela foi proibida de ir ao
ar pela Censura do Governo Federal poucos minutos para começar a atração. Cid Moreira deu a notícia no Jornal Nacional e leu o editorial
escrito por Armando Nogueira, então
diretor do telejornal, anunciando o veto. Roque Santeiro era inspirada na peça O
Berço do Herói, do Dias Gomes em 1963, e que também havia sido vetada pela censura. |
Recuperado do baque que foi a proibição de Roque Santeiro, Dias Gomes voltou ao horário das 22 horas com outro fenômeno de audiência e crítica, o mundo encantado de Saramandaia (1976). Na trama o autor acentuou o realismo fantástico apresentado em O Bem Amado, e abordou problemas do Brasil transformado uma cidade fictícia no microcosmo do país. Através de personagens e tipos inusitados que explodiam de tanto comer, ardiam em fogo quando excitados, tinham asas, botavam o coração pela boca literalmente e expeliam formigas pelo nariz, o autor mais um vez inovou e renovou a linguagem da teledramaturgia.
Dias
Gomes fechou a década de 70 com a trama de Sinal de Alerta (1978), a última apresentada no horário da 22
horas e que mesmo tendo a mesma temática
de outros sucessos do autor, acabou
marcada pela fraca audiência e entendimento do público. A trama tinha uma
temática ambientalista enfatizando o perigo da poluição nas grandes cidades.
No finalzinho da década de 70 e início
de 80 , Dias Gomes e outros grandes
nomes do cenário da teledramaturgia nacional como Gianfrancesco Guarnieri, Wálter
George Durst, Ferreira Gullar e Carlos Queiroz Telles, idealizaram um dos seriados brasileiros de maior
sucesso. Carga Pesada (1979) foi
marcada pela bela produção que
mostrava a dura realidade dos caminhoneiros pelas estradas desse Brazilzão. A
Série consagrou Antônio Fagundes e
Stênio Garcia na pele dos
protagonistas Pedro e Bino.
O Autor inicia
os anos 80 ressuscitando Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), morto no final da
novela O Bem
Amado (1973), para estrelar o
seriado baseado na trama. O Seriado ficou no ar por cinco anos, de 1980 à 1984,
e exibiu 220 episódios no total. O Bem Amado seriado
tinha como diferença básica da trama o fato de permitir o autor a tocar em
temas da atualidade, e com o final da censura da ditadura, Dias
Gomes pode desenvolvê-los como sempre quis em suas tramas e o governo não
permitia.
Enquanto ainda
escrevia o seriado O Bem Amado, Dia
Gomes teve uma difícil missão em 1983. O Autor supervisionou a trama de Eu Prometo,
da autora Janete Clair, sua esposa, quando
esta veio a falecer. O Autor ficou com uma carga de trabalhos e emocional muito
pesada, mas mesmo assim foi crucial para que a última trama da sua esposa fosse
finalizada com dignidade pela autora Gloria Perez.
Foi em 1985, que
Dias
Gomes pode finalmente levar ao ar a trama de Roque Santeiro, 10 anos depois da
veto da censura. Talvez esse veto tenha
sido providencial, a versão de 1985 é considerada uma das melhores novelas de
todos os tempos. Se transformou naquele tipo de trama atemporal que é
impossível cansar de vê-la. A novela consagrou vários dos seus intérpretes, em
destaque Regina Duarte e Lima Duarte
na pele da Porcina, a Viúva que foi sem nunca ter sido, e Senhorzinho Malta, respectivamente. Uma
inteligente sátira nacional que o autor
usou para ilustrar de forma decisiva a
história dos moradores de Asa Branca, a cidade fictícia da novela, que era uma espécie de miniatura do Brasil. Para escrever Roque Santeiro,
Dias Gomes convidou Aguinaldo Silva,
que dos 209 capítulos escreveu 110, ou seja mais do que até o Dias Gomes, que escreveu os 51 capítulos
iniciais e os 48 finais.
Além do sucesso
dramaturgo, de audiência , produção e interpretação dos atores, Roque Santeiro se transformou em uma novela a parte por seu autores.
Dias Gomes, depois de deixar a trama
sob responsabilidade de Aguinaldo Silva,
viu o autor quase estreante, deixar
entender em entrevistas que era o pai da trama.
Aguinaldo Silva,
aproveitando-se de uma viagem de férias de Dias
Gomes, mudou uma das cenas mais emblemáticas e importantes para a trama. No
capítulo 87, Padre Albano, vivido pelo Claudio
Cavalcanti, reúne todos os moradores de Asa Branca na praça para contar a
verdade sobre o mito de Roque Santeiro (José
Wilker) que nunca existira. A Ideia de
Dias era mostrar a partir de então a reconstrução de Asa Branca sem esse mito, Aguinaldo Silva por sua vez achou
que a revelação seria o fim da trama, o
mito teria que ir até o final. Assim antes que Padre Albano pudesse contar
qualquer coisa, Beatu Salú, pai de Roque Santeiro, interpretado pelo saudoso Nelson Dantas, que estava em coma,
simplesmente acorda e reaparece em plena a praça da matriz lotada pelos
moradores. O que era para ser o fim do Mito, acabou lhe dando mais força,
quando os habitantes creditaram a
recuperação do beato como mais um milagre de Roque. Moral da história : “O
Mito é mais forte que é verdade!”. Roque Santeiro foi
aclamada, mas amizade entre os autores jamais teve um novo capítulo.
Em 1987, Dias Gomes trouxe para a tv e os dias
atuais a tragédia grega Édigo Rei, de Sófocles, como tema principal da novela Mandala.
A trama infelizmente foi uma tragédia brasileira também e é conhecida como uma
das novelas mais fracas de audiência e complexas do autor. Dias Gomes acabou escrevendo a novela até o capítulo 35, e a deixou a cargo de Marcílio Moraes e Lauro César Muniz. A trama consagrou Vera Fischer , que deu vida a
protagonista Jocasta, como deusa nacional, e Nuno Leal Maia foi o destaque no humor como Tony Carrado, o
ex-bicheiro apaixonado por Jocasta. A
Censura interferiu em Mandala e não
aprovou um beijo entre Jocasta e Édipo (Felipe Camargo), pelo fato deles serem
mãe e filho. O Beijo era um passo importante para o andamento da trama. Depois
de muitas idas e vindas de capítulos, o beijo foi liberado pela alegação de
ambos, Jocasta e Édipo, não saberem da
condição de mãe e filho.
Ainda em 1987, a
Empresa Têxtil Vicunha encomendou a Rede
Globo uma mini-novela com capítulos diários de 5 minutos cada para
apresentar como propaganda de divulgação da marca antes da trama das oito da época, O Outro do Aguinaldo
Silva. Assim a Globo escalou Dias Gomes que apresentou a trama Expresso Brasil,
em 40 capítulos. A trama era uma grande homenagem aos inesquecíveis personagens
do autor em suas tramas anteriores. Assim pudemos ver Lima Duarte revivendo Zeca Diabo de O Bem Amado (1973)
e o Senhorzinho Malta de Roque Santeiro (1985);
Regina Duarte de Viúva Porcina de Roque Santeiro (1985); Paulo
Gracindo como o Tucão de Bandeira 2 (1971) e o Odorico Paraguaçu de O Bem Amado (1973) entre outros.
A maioria eram personagens criados por Dias Gomes. Mas também entraram em cena 3 personagens de Cassiano Gabus Mendes vividos por Luiz Gustavo: o cego Léo de Te Contei? (1978), o detetive Mário Fofoca de Elas por Elas (1982) e o costureiro Victor Valentim de Ti Ti Ti (1985). E ainda 3 personagens da
novela Gabriela (1975): Nacib (Armando Bógus), Maria Machadão (Eloísa
Mafalda) e Tonico Bastos (Fúlvio Stefanini). Luís Magnelli e Luísa Brunet viveram os únicos personagens inéditos
da história: ele era o bilheteiro do trem, e ela, uma bela misteriosa. Na
trama, uma locomotiva em viagem era o ponto de encontro desses vários
personagens clássicos de novelas famosas. No final da novela os personagens
descobrem que o próprio Dias Gomes
está na viagem e resolvem tirar satisfações com ele sobre o seus destinos nas
respectivas tramas criados por Dias.
Em 1988, Dias Gomes trouxe para a tv uma das
suas obras mais importantes - O Pagador de
Promessas que foi considerada um
marco no cinema , teatro e na tv, com o
belo texto do autor e interpretações viscerais do seu elenco. A história aborda
questões como a intolerância da igreja católica diante do sincretismo
religioso. José Mayer, que deu vida ao
Zé do Burro, foi aclamado pelo público ,
pela crítica e eleito o melhor ator de 1988 pela APCA. O Pagador de Promessas marcou
a estreia na TV da diretora Tizuka Yamazaki, consagrada nos
cinemas.
No início da
década de 90 a Globo escalou Dias Gomes para brigar com a extinta Rede Manchete que apresentava a trama
de Pantanal,
do autor Benedito Ruy Barbosa, que
se transformou em um fenômeno naquele ano. Assim o autor apresentou a trama de Araponga,
que contava a história de um atrapalhado detetive protagonizada por Tarcísio Meira. A trama iniciava-se às 21:30h tão logo
terminava a trama das oito, exatamente para evitar que o público trocasse de
canal. Araponga foi apresentada como um novo jeito de fazer novela. A
sequência de capítulos era igual o das novelas tradicionais, mas o ritmo era de
minissérie e confundiu o telespectador.
Em 1992, o
autor volta às minisséries com As Noivas de Copacabana, contando a história do
serial-Killer Donato, em um dos últimos papéis dramáticos vividos pelo ator Miguel Falabella. A ideia de escrever a
história surgiu quando Dias Gomes
assistia à um quadro sobre psicopatas exibidos no Fantástico, sobre o caso Heraldo
Madureira, morador de Niterói, que assassinava suas vítimas vestidas de
noiva.
No decorrer dos
anos 90, Dias Gomes ainda
supervisionou o remake de Irmãos Coragem (1995),
trama clássica da sua esposa Janete Clair, reescrita para o horário das seis por Marcílio Moraes, Margareth Boury e Antônio
Mercado; escreveu a minissérie Decadência (1995), baseada em seu livro homônimo e
a novela O Fim do Mundo (1996), que inicialmente foi
idealizada para ser uma minissérie e acabou virando trama do horário nobre
global.
Em 1998, Dias Gomes adaptou para a tv um dos
romances mais conhecidos do Jorge Amado
- Dona Flor e Seus Dois Maridos, em forma de
minissérie. A adaptação do romance para a tv tinha um grande obstáculo - como recriar um triângulo amoroso tão
perfeito e impactante como o vivido por Sônia Braga, José Wilker e Mauro
Mendonça, imortalizados no filme de 1976, do Bruno Barreto? A Grande diferença entre o filme e a minissérie foi
a época em que foi centrada. O Filme se passava na década de 40, já a minissérie foi
ambientada na Bahia dos dias atuais com direito a participações especais de
artistas de sucesso no carnaval baiano.
Vale ressaltar também o bom trabalho de Giulia Gam e Edson Celulari na pele da Dona Flor e Vadinho, que distanciados das interpretações
do filme, deram um show. Ela no auge da sua beleza fez todo um trabalho de
caracterização que incluiu bronzeamento
artificial e enrolamento dos cabelos para dar vida a emblemática personagem. Assim
tal qual acontecera com Tieta, vivida pela Betty Faria na Tv e a Sônia Braga nos cinemas, Dona Flor também ficou imortalizada por duas
interpretações impecáveis nos dois veículos.
Dona Flor e seus
Dois Maridos acabou sendo o último
trabalho de Dias Gomes, que viria a
falecer em uma acidente automobilístico em maio de 1999, deixando toda essa obra imortal como herança.
Fonte:
Texto : Evaldiano de Sousa
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