Clássico é sempre clássico!
Uma microcosmo em forma de sátira do Brasil mostrando a força de um mito
acima da verdade. Essa era a mensagem principal da novela Roque Santeiro, do autor Dias Gomes
no ar pela Globo em 1985, e que volta a partir
do dia 04 de novembro pelo Canal Viva – sendo a
quarta reprise da trama.
A Novela se transformou em um dos maiores sucessos da teledramaturgia nacional
e o Brasil foi tomado pelo vocabulário, trejeitos e bordões que os personagens
apresentaram. Roque Santeiro foi encomendada para ir ao ar em 1975 para
comemorar os 15 anos da Rede Globo, mas horas antes de estrear a
censura vetou a novela alegando que que ela tinha “Ofensa à moral e aos
bons costumes”. Cid Moreira leu o editorial
escrito por Armando Nogueira no Jornal Nacional minutos
antes da suposta estreia. A Globo teve que se virar para
preencher o horário. Lançou um compacto da novela Selva de Pedra de
1972 e em pouco mais de 90 dias Janete Clair apresentou no
horário a novela Pecado Capital com quase todo o elenco de RoqueSanteiro.
Em 1985, finalmente a história do mito religioso que virou
santo e a viúva que foi sem nunca ter sido pode ser contada e apresentada tal qual Dias Gomes queria, para o Brasil
inteiro e hoje quase 40 anos depois, ainda é uma sinônimo de sucesso, modelo do
gênero e considerada uma das melhores
novelas da história da teledramaturgia
nacional.
São muitos os motivos
que levam mais essas reprise de Roque Santeiro ser imperdível.
Abaixo cito 10 deles.. .
e no A B C do Santeiro... !!!
1 – Base da trama e
briga pela sua autoria
Roque Santeiro foi baseada na peça de Dias
Gomes, O Berço do Héroi,
de 1963 que também foi proibida dois anos depois da sua primeira montagem pela
censura.
A Novela marcou a estreia de Dias Gomes no
horário das oito e o gênero apresentado. Antes de Roque Santeiro as
novelas ditas regionais eram apresentadas quase sempre no horário das 22 horas.
A trama foi a primeira sem locações urbanas, tudo era ambientada na fictícia
cidade de Asa Branca.
Uma briga particular pela autoria da trama aconteceu nos bastidores da Globo. Dias
Gomes, cansado do ritmo pesado da Tv solicitou ajuda na autoria, e a
emissora deu à Aguinaldo Silva esta incumbência. Dias escreveu
até o capítulo 51 e os 48 finais, já Aguinaldo escreveu os 110 do
meio. Vendo pelas quantidades de capítulos a novela é mais do Aguinaldo do que
do Dias Gomes, não é? Ou seja, qual deles transformou Roque Santeiro em
fenômeno? Fato é que depois de Roque
Santeiro, Aguinaldo Silva escreveu duas novelas
“urbanas” , mas só explodiu com o sucesso da adaptação do romance
de Jorge Amado, Tieta em 1989, que seguiu o estilo de Roque Santeiro.
2 – Regina Duarte
e a viúva que foi sem nunca ter sido
O elenco da trama sem dúvidas foi um dos maiores acertos da
produção. Regina Duarte brilhou absoluta na pele da fogosa e
extravagante Viúva Porcina. A personagem na versão de 1975 seria vivida
por Betty Faria, a atriz não aceitou fazer em 1985, e assim a
Regina pode mostrar um novo lado do seu trabalho e se consagrou como grande
estrela numa interpretação visceral da viúva que foi sem nunca ter sido.
O Figurino, maquiagem e extravagâncias da personagem foram copiados nos
quatro cantos do Brasil.
3 – Outros destaques do
elenco
Outros atores também eternizaram seus personagens com
interpretações irretocáveis, como Lima Duarte e o inesquecível
Senhorzinho Malta; José Wilker que viveu o protagonista Roque;
Ary Fontoura na pele do Florindo Abelha; Eloisa Mafalda e sua Dona Pombinha; Lucinha Lins que deu
vida a Mocinha; Cássia Kiss Magro e a reprimida Lulu, Armando
Bógus e seu Zé das Medalhas; o Cego Jeremias vivido pelo ArnaudRodrigues; Paulo Gracindo na pele do Padre
Hipólito, Fábio Jr e o galanteador ator Roberto
Matias; Lídia Brondi e destemida Tânia entre
outros.
4 – Trilha Sonora
Foi a partir do sucesso da trilha de Roque Santeiro Nacionalque a Som Livre passou a lançar trilha sonora volume 2 ao
invés da internacional das novelas regionais. A Trilha internacional
de Roque Santeiro já estava prontinha para ser lançada quando a
emissora resolveu cancelá-la e lançou o Volume 2 com mais músicas nacionais que
novamente fizeram sucesso. Entre alguns dos sucessos da trilha da novela
vale destacar “De Volta Pro Aconchego” da Elba Ramalho; “Dona”
do Roupa Nova; “Sem Pecado e Sem Juízo” da Baby do
Brasil; “Mistérios da Meia-Noite” do Zé Ramalho; “Roque
Santeiro” do Sá e Guarabira; “Vitoriosa” do Ivan Lins entre
outros sucessos.
Nos anos 2000, começou a correr na Internet uma
suposta trilha internacional de Roque Santeiro (com Patrícia Pillar na capa). Essa
trilha é fake, nunca existiu, alguém inventou a capa e a seleção
das músicas. Segundo declarações da Globo sequer foi cogitado o lançamento de
um LP internacional da novela em sua época.
5 – Tramas Paralelas
Na trama vale destacar também tramas paralelas que
ajudaram a segurar a atenção dos telespectadores nos 209 capítulos - como a disputa interna dentro da igreja
representada pelo Padre Hipólito (Paulo Gracindo) e Padre Albano (Cláudio
Cavalcanti); O amor que surge na metade da novela entre Tânia, vivida
pela Lídia Brondi, a filha do Senhorzinho Malta e Padre
Albano; a Boate Sexus, da Matilde (Yoná Magalhães) que trazia para Asa
Branca show com lindas mulheres sensualizando, o que escandalizava as beatas da
cidade; e a figura do Lobisomem, que assustava a mulherada da cidade nas noites
de lua cheia. No final é revelado que o místico personagem era o Professor
Astramor, vivido pelo ator Ruy Resende, o principal suspeito desde
o início da novela.
6 - Campanha de fim de ano
Com
a grande repercussão da novela, a Globo criou para 1985 uma campanha de
fim de ano bem diferente: em vez de reunir seu elenco e profissionais (como faz
tradicionalmente), limitou-se ao elenco de RoqueSanteiro, na cidade cenográfica de Asa Branca, desejando paz ao ano
que estava por vir, embalada pela música de todos os anos, “Um Novo
Tempo” (“Hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa”).
7 – Reprises
A novela foi reprisada duas vezes na TV aberta: entre
01/07/1991 e 03/01/1992, aos finais de tarde; e entre 11/12/2000 e 29/06/2001,
no Vale a Pena Ver de Novo.
Também uma vez no Viva entre 18/07/2011 e 04/05/2012, à 0h15 (com
reprise ao meio-dia do dia seguinte).
No
rastro o sucesso da novela, chegou às bancas o álbum de figurinhas de Roque Santeiro –
hoje peça disputada por colecionadores.
Roque Santeiro foi
a primeira novela comercializada em DVD (box com 16 discos), pela
Globo Marcas, em 2010, nas comemorações do 25º aniversário da novela.
A
novela foi disponibilizada no Globoplay (plataforma streaming do
Grupo Globo) em 21/06/2021.
8 – Gravações em Dallas
A novela teve cenas gravadas em Dallas, no Texas (EUA), para
onde viajaram Sinhozinho Malta e Viúva Porcina, para participarem de uma feira
de gado que ocorria na cidade. Marcos Paulo foi o diretor responsável
pelas gravações e, inclusive, atuou, como um motorista brasileiro que se
envolve com Porcina.
9 - Cenografia e
locações
A
cidade cenográfica foi construída em Guaratiba, na Zona Oeste do Rio de
Janeiro. Para dar vida a Asa Branca, o cenógrafo Mário Monteiro criou
uma cidadezinha que fosse parecida com Juazeiro do Norte, no Ceará, Porto das
Caixas, no Rio de Janeiro, e Aparecida do Norte, em São Paulo – cidades que
vivem em função da religiosidade popular. Asa Branca se parecia com as três,
mas tinha identidade própria.
Em tempo recorde – 20 dias –, 180 homens construíram 26 prédios de madeira
tratada, para obter maior durabilidade. Algumas construções, como a barbearia e
a igreja, também tiveram seu interior montado em externas, além da fachada, o
que reduzia as gravações em estúdio.
O
maior destaque da cidade cenográfica era o centro de Asa Branca, mais
precisamente a Praça da Igreja Matriz, onde ficavam a estátua de Roque Santeiro e as
barraquinhas que vendiam todo tipo de suvenir do “santo”. O local reunia os
romeiros que acorriam à cidade. A vegetação que cercava a praça era
cenográfica. Malandramente, na tomada frontal da igreja, era possível ver ao
fundo, na rua de trás, a fachada da boate Sexus, com neon piscando.
A
equipe de cenografia teve a preocupação de retratar diversas regiões
brasileiras em um cenário só. Para isso, foi feita uma colagem de símbolos de
diferentes locais do país. Misturou-se o colonial carioca com o nordestino,
construções da região Centro-Oeste com elementos do Sul, tudo com o objetivo de
representar em Asa Branca o Brasil por inteiro.
10 – Bordões Inesquecíveis
A
empatia entre Sinhozinho Malta (Lima Duarte) e Viúva Porcina (Regina Duarte),
protagonistas de cenas memoráveis, conquistou o público. As hilárias brigas do
casal, que vivia uma conturbada relação, faziam muito sucesso. Sinhozinho, para
pedir perdão à amada, ficava de quatro e lambia a mão de sua “dona”, imitando
um cachorro. Ela o chamava de Cachorrinho e ele a chamava
de Santinha.
Sinhozinho
Malta tinha uma característica que ficou marcante e é lembrada até hoje: quando
estava nervoso, ou queria impor a sua vontade, sacudia as pulseiras e o relógio
em um tique acompanhado por um efeito sonoro que reproduzia o som de uma
cascavel misturado ao som do chocalho das pulseiras, seguido do bordão “Tô
certo, ou tô errado?” Outro som próprio do personagem era o
barulho de guilhotina, seguido de um movimento brusco com a mão, cada vez que
demonstrava como decepava a parte íntima de seus inimigos e de seus bois.
Também
o prefeito Florindo Abelha (Ary Fontoura) e Zé das Medalhas (Armando Bógus)
tinham trejeitos próprios, que faziam parte da interpretação dos atores. Zé das
Medalhas, por exemplo, esticava o queixo para a lateral, quando queria
representar medo, perigo ou dúvida, e ouvia-se uma sonoplastia característica.
A
falsa portenha Amparito Hernandez (Nélia Paula) abusava das interjeições “Miércoles!” e “Carácoles!” ditas
para situações de surpresa, admiração ou indignação. E Regina Duarte,
além do exagero no vestir e portar-se de sua Porcina, ainda é lembrada pelo
grito “Minaaaaaaaaa!” sempre que sua personagem exigia
a presença imediata da criada, vivida pela saudosa Ilva Niño.
O
Professor Astromar Junqueira (Ruy Rezende) também tinha um gesto
característico: de vez em quando coçava um dente canino. Quando aparecia na
porta da casa do prefeito para conversar com sua amada Mocinha (Lucinha Lins),
perguntava: “Posso penetrar?”
Ano
que vem a novela vai comemorar 40 anos, mas parece que foi ontem que
acompanhamos a deliciosa história desses inesquecíveis habitantes de Asa
Branca. Quem não repetiu incertamente o “Tô Certo, ou Tô
Errado?” do Senhorzinho Malta ou não berrou o “Minaaaaaaaaaaaaaa” que atire a primeira pedra.
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Fonte:
Texto: Evaldiano de
Sousa
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